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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Parto de Tâmara – Nascimento de Yana

Por Liliana Silvera, Assistente Perinatal e Doula Atua junto a Mary Galvão

Salvador, 17/05/2010, 14:17.

No mês de março num encontro com minha amiga parteira Mary, fui comunicada que uma gestante de 7° mês havia lhe telefonado para marcar uma consulta. Segundo ela, a gestante expressou interesse em parir em casa pois sua 1° filha nasceu em uma maternidade em São Paulo, há 2 anos, e lhe causou alguns problemas decorrentes das rotinas hospitalares. Nesta conversa foi relatado as impressões iniciais que a parteira teve com relação a gestante. Tâmara se mostrou calma, introspectiva e muito segura do seu posicionamento em relação a escolha do local do parto. Residindo no Brasil há 5 anos, ela é casada com um brasileiro, que conheceu em seu país- Inglaterra
Conheci Tâmara uma semana antes do parto, ela estava sendo acompanhada pela parteira (enfermeira obstetra) há cerca de um mês. Ela morava em São Paulo e chegou com a gravidez adiantada a Salvador, acompanhando a parteira numa das suas visitas domiciliares à gestante. Ela se queixava de cólicas. Parecia ser a iminência do trabalho de parto. A parteira acreditava que o trabalho de parto transcorresse rapidamente com pouca dor, pois Tâmara relatou que na sua primeira gravidez, há quase três anos, foi assim que as coisas aconteceram. Pouca dor e quando chegou ao hospital em São Paulo, já estava com 8cm de dilatação.Ficamos por uma hora na casa dela. Fui apresentada ao marido e à filhinha de quase dois anos. A parteira acompanhou os batimentos cardíacos do bebê e as contrações, que eram indolores e pouco intensas. Concluímos que eram os pródomos e que era melhor voltarmos às nossas casas.
Eu, que acabava de chegar naquela história, me coloquei na posição de observadora atenta e discreta. O final da gestação é um momento muito delicado, de expectativas, recolhimento e reflexões. Pessoas estranhas podem atrapalhar. Seja por causa de palpites indevidos, pela presença invasiva num momento tão íntimo, seja pelo desequilíbrio energético que possa vir a provocar no ambiente. Eu ainda me considerava estranha naquele processo.
Após uma semana, numa segunda-feira, 17/05, fui acordada às 03:30 por Mary: tudo indicava que o trabalho de parto começava. Pressentindo que o trabalho de parto iria transcorrer rapidamente, chegamos à casa de Tâmara. às 04:30. Chegando lá fomos recebidas na sala da casa por ela e seu marido Artur, que nos ofereceu chá.
Iniciamos uma conversa bem baixinho para não acordar a filhinha que dormia. Conversa pouca, para dar espaço ao silêncio, enquanto a parteira avaliava a intensidade das contrações de intensidade média a cada 20 minutos
Ficamos as três ali sentadas no sofá até as 8:00 horas acompanhando a evolução da dinâmica uterina. Antes disso, por volta das 07:00, a filhinha de Tâmara acordou e acabei me ocupando com ela. Essa “ocupação” foi providencial. Eu e Tâmara ainda estávamos nos acostumando uma com a outra, melhor dizendo, eu esperava que acontecesse alguma sintonia, já que não houve tempo para formar um vínculo afetivo. Participar do parto de alguém, ainda mais se tratando do ambiente doméstico, é algo que requer muita sutileza e afinidade. Era preciso que eu desse tempo natural para criar sintonia.
Quando as contrações se tornaram mais fortes e freqüentes, Mary e Tâmara foram para o quarto para o primeiro exame de toque vaginal. De lá veio a boa notícia: 7 cm de dilatação! Cogitamos (eu e a parteira) que o parto aconteceria por volta das 10:00. A partir daí as contrações se intensificaram, mantendo o intervalos regular de 20 minutos.. Por volta das 09:30, Tâmara estava com muita dor, foi acompanhada ao banheiro onde estava preparado previamente um banho relaxante com ervas e aromas.Sentindo-se cansada e com sede, pediu a Artur que lhe trouxesse um suco. O mesmo prontamente atendeu seu pedido com uma taça de suco de maracujá, que era para ser fraquinho, mas veio forte e foi tomado rapidamente. O clima na casa era bem tranqüilo, porém a filha pequena começou a ficar inquieta e foi levada para a casa de uma amiga da família. Sem a distração provocada pela inquietação da filha, as 10:30 Tâmara resolvei ir para o quarto que foi cuidadosamente preparado com um grande colchão tipo tatame, almofadas, travesseiros, velas, flores e aromas para acolher o momento do parto. O material a ser utilizado pela parteira bem como as roupinhas da bebê foi organizado numa mesinha próximo ao colchão
Tâmara já inquieta, experimentava várias posições buscando conforto. Quase não falava, porém mantinha-se ainda bastante atenta aos movimentos externos, observando o ambiente e nós à sua volta. Eu me aproximava aos poucos, preocupada em não atrapalhar o clima, mas também tentando relaxar e me inserir de forma tranqüila naquele cenário. O tempo foi passando, ela sentindo vontade de fazer força, ficou de quatro por um bom tempo. Depois, resolveu tentar ficar de cócoras e assim permaneceu entre o período das 11:00 às 12:30, tentando ajudar Yana nascer.
Durante esse período, sugerimos que ela mudasse de posição, que caminhasse um pouco entre as contrações, porque agora o intervalo entre as contrações era curto, cerca de 5 minutos. Mesmo com o grande poder de Tâmara e do nosso encorajamento verbal e físico porque eu e o marido ajudamos a mantê-la na posição de cócoras, ela falava que aquelas contrações não eram suficientes, que ela “parecia que não sabia fazer força direito”, que o plástico que estava embaixo do lençol não protegeria o colchão dos fluidos que saiam dela.
Decidimos gestualmente, deixar o casal a sós. Fomos para a sala. Também estávamos precisando de um tempo para respirar, falar sobre nossas impressões. O que estava acontecendo? O marido tinha me comentado que o primeiro parto foi “encorajado” por cerca de cinco enfermeiras através de puxos dirigidos, porque no 1° parto realizaram manobra de Kristeller. Comentei isso com Mary, que acrescentou que Tâmara relatou ter rsido submetida também ao uso de ocitocina sintética e episiotomia. Observamos que a parturiente mantinha-se mentalmente muito ativa, não se entregando ao processo (neocortex ativo). Deixei que Mary retornasse sozinha para o quarto. O marido parecia também estar tão inibido quanto eu. Por vezes ficamos os dois do lado de fora, esperando. Em algum momento resolvi fazer uma sopa, para a mãe tomar depois do parto. Essa atividade também me distrairia um pouco. Talvez servisse de estímulo, para ela, sentir o cheiro da comida, pois a cozinha ficava bem perto do quarto.
Até as 13:00, nos alternamos todos para dar suporte a Tâmara, que continuava insistindo em fazer força durante as contrações. Porém, o discurso dela, antes era autocrítico, passou a ser pessimista. Ela dizia que não conseguiria, que estava cansada e que pensava em ir ao hospital. Novamente a parteira e eu fomos para sala. Refletir sobre o motivo do prolongamento do período expulsivo. O marido saiu para levar alguma coisa para a filha, na casa da vizinha amiga. E agora? O bebê estava quase coroando. A cabecinha estava visível através da vulva já entreaberta. Os batimentos cardio-fetais continuavam rítmicos, mas ela sugeria ir para o hospital. O marido retornou e resolvemos conversar os quatro. Tâmara falava que estava com sono. Concluímos que o suco de maracujá oferecido à Tâmara surtiu efeito sedativo, e esse era o motivo dela estar tão sonolenta.
A parteira olhou para ela com firmeza, e informou que se ela optasse pelo hospital seria bem provavel a indicação de uma cesariana, haja visto que a decisão seria da equipe médica. Porém a decisão de ir ou não dependia tão somente dela.Mas ela só falava em dormir. Decidi me pronunciar, que ela dormisse se assim quisesse, e foi o que ocorreu. Tâmara dormiu por cerca de vinte minutos, de lado, com um travesseiro entre as pernas.
Após esse curto período, vieram ruídos do quarto. Gemidos cada vez mais altos. Será que algo estava acontecendo? Permanecemos atentas ouvindo os gemidos, foi então que. o marido nos chamou, e lá fomos nós. Estava perto das 14:00. Já tinha chovido e estiado, fazia um ventinho fresco. Nos acomodamos no quarto. A parteira deitada de lado, no colchão, olhando Tâmara. Eu ajoelhada na beira do colchão, perto dela, e o marido inquieto, de pé. Antes disso, Tâmara pedia comida, estava com fome. Tomou um café com leite, que seria mais conveniente, devido ao adiantado trabalho de parto. Tâmara voltou a se queixar de dor e não mais de desconforto. Ficou de quatro. Eu tinha me levantado, ido à cozinha, e quando voltei encontrei ela com aquele olhar selvagem, intolerante. Dizia que “estava vindo”. O marido, aparvalhado, de pé. Eu passei por trás dela e vi. O bebê tinha coroado! Tâmara gritou: “ venha Mary, tá nascendo!”.
Foram umas cinco contrações. Mudamos Tâmara de posição, para proteger o períneo e a vulva, pois o bebê vinha com muita força. Sentei junto dela, que se recostou nas almofadas. Segurei a sua coxa contra o meu peito, apoiei o seu pé na minha coxa. A parteira no meio, protegendo o períneo de Tâmara, que gritava: “ não vou agüentar, ta me rasgando”! O marido em pé, ao lado, continuava aparvalhado, a expressão do seu rosto era muito forte. Com três contrações Yana nasceu. Rosada, esperta, olhando tudo. Quase não chorou. Foi para o colo da mãe. O pai se aproximou chorando. Quando o cordão parou de pulsar, Mary convidou o pai a fazer o “ritual de separação” mãe-bebê, oferecendo-lhe a tesoura para proceder o corte. Nesse momento Mary entoava em ritmo de oração: “ é o pai quem corta os laços, esse é o seu papel” . Em seguida, ela se ajoelhou diante de Yogananda (seu mestre espiritual). Senti naquele momento a fé que me envolveu o tempo inteiro, mesmo nos momentos de desânimo.
Após o nascimento, Yana mamou por uma hora com pega perfeita, de livro didático. Depois de uma hora, ajudamos Tâmara a eliminar a placenta , que veio íntegra, amparando-a de cócoras. Pesamos e medimos Yana: 3,400kg; 51cm. Mais uma surpresa: a altura uterina sugeria um bebê bem menor. Se bem que a mãe dizia que ela não parecia se acomodar direito na barriga.. Olha aí o motivo. Acompanhei o curativo do umbigo, feito pela parteira, que conferiu o cordão umbilical. Ajudei o pai a dar o primeiro banho de Yana, no balde. Depois ele foi ajudar a parteira a cuidar de Tâmara. Eu fiquei cuidando daquela pessoinha tão esperta. Ela chupa dedo! Toda perfeitinha, linda!
Organizamos todo o quarto, a cama já estava arrumada e cheirosa quando Tâmara voltou do banho para tomar a sopa, com suco de uva e pão. Yana voltou a mamar quando a mãe terminou de comer. Já era quase noite e logo chegaram os pais de Tâmara, com a amiga e a outra filhinha dela. Uma festa! Eu e a parteira fomos saindo discretamente. O momento pertencia à família. Estava tudo muito bem.
Mais uma vez percebi que as pessoas e os seus processos, em especial os fisiológicos, têm o seu tempo. Não seguem padrões. Lembrando, o trabalho de parto transcorreu quase todo com contrações em intervalos de 20 minutos, aproximadamente. Não seguiu os padrões dos manuais de obstetrícia. A mãe estava muito mental, muito ligada? Talvez. Mas e se ela for assim? E se esse for o modo natural dela? Seria saudável tentar mudar esse jeito de ser? Seria possível mudar isso? Seria conveniente para quem? Estou concluindo, mais uma vez, que não dá para separar eventos biológicos, fisiológicos, da emoção, da história de vida da pessoa. Parece algo tão simples, tão natural. Mas a gente continua fragmentando e compartimentando tudo. Como é difícil deixar acontecer! Mesmo que mantenhamos uma vigia cuidadosa, como no caso de um trabalho de parto. Porém, é preciso dar tempo ao tempo. Dar tempo para mim. E dar tempo para mim é deixar que a minha ansiedade se vá. É ir para a cozinha fazer uma comidinha. É brincar com uma criança enquanto deixo alguém se acomodar com a minha presença. Às vezes sair discretamente quando a minha presença estiver inibindo, atrapalhando. Dar tempo para os outros. Para me permitir ser e permitir que as pessoas também sejam.
Na 1a visita pós-parto, 3° dia, após realizado a avaliação de Tâmara e Iana, observando o vínculo entre as duas, involução uterina e processo de amamentação, identificamos uma vibração familiar muito amorosa, com integração dos quatro de forma harmoniosa.
Artur não se cansava de expressar os sentimentos vivenciados durante todo o parto, referindo que ainda se mantinha sobre o efeito daquelas emoções, conforme seu próprio relato de experiência.

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